Tudo o que o Brasil acompanhou com pesar no drama de Eloá,
em suas cem horas de suplício em cadeia nacional,
não pode ser visto apenas como resultado
de um ato desesperado de um rapaz desequilibrado
por causa de uma intensa ou incontrolada paixão.
É uma expressão perversa de um tipo de dominação masculina
ainda fortemente cravada na cultura brasileira.
No Brasil, foram os movimentos feministas
No Brasil, foram os movimentos feministas
que iniciaram nos anos de 1970,
as denúncias, mobilização e enfrentamento da violência de gênero
contra as mulheres que se materializava nos crimes
cometidos por homens contra suas parceiras amorosas.
Naquele período ainda estava em vigor
o instituto da defesa da honra,
e desenvolveram-se ações de movimentos feministas
e democráticas pela punição aos assassinos de mulheres.
A alegação da defesa da honra
A alegação da defesa da honra
era então justificativa para muitos crimes contra mulheres,
mas no contexto de reorganização social
para a conquista da democracia no país
e do surgimento de movimentos feministas,
este tema vai emergir como questão pública,
política, a ser enfrentada pela sociedade
por ferir a cidadania e os direitos humanos das mulheres.
O assassinato de Ângela Diniz em dezembro de 1976,
O assassinato de Ângela Diniz em dezembro de 1976,
por seu namorado Doca Street,
foi o acontecimento desencadeador
de uma reação generalizada contra a absolvição do criminoso
em primeira instância, sob alegação de que
o crime foi uma reação pela defesa da "honra".
Na verdade, as circunstâncias mostravam um crime bárbaro
motivado pela determinação da vítima
em acabar com o relacionamento amoroso
e a inconformidade do assassino com este fim.
Essa decisão da justiça revoltou parcelas significativas
Essa decisão da justiça revoltou parcelas significativas
da sociedade cuja pressão levou a um novo julgamento em 1979
que condenou o assassino.
Outro crime emblemático foi o assassinato de Eliane de Grammont
pelo seu ex-marido Lindomar Castilho em março de 1981.
Crimes que motivaram a campanha "quem ama não mata".
Agora, após três décadas,
o Brasil assistiu ao vivo, testemunhando,
o assassinato de uma adolescente de 15 anos
por um ex-namorado inconformado
com o fim do relacionamento.
Um relacionamento que ele mesmo tomou a iniciativa de acabar
por ciúmes, e que Eloá não quis reatar.
O assassino, durante 100 horas
manteve Eloá e uma amiga em cárcere privado,
bateu na vitima, acusou, expôs, coagiu
e por fim martirizou o seu corpo com um tiro na virilha,
local de representação da identidade sexual,
e na cabeça, local de representação da identidade individual.
Um crime onde não apenas a vida de um corpo foi assassinada,
Um crime onde não apenas a vida de um corpo foi assassinada,
mas o significado que carrega
- o feminino.
Um crime do patriarcado que se sustenta no controle do corpo,
da vontade e da capacidade punitiva
sobre as mulheres pelos homens.
O feminicídio é um crime de ódio,
realizado sempre com crueldade,
como o "extremo de um continuum de terror anti-feminino",
incluindo várias formas de violência como sofreu Eloá,
xingamentos, desconfiança, acusações, agressões físicas,
até alcançar o nível da morte pública.
O que o seu assassino quis mostrar a todas/os nós?
O que o seu assassino quis mostrar a todas/os nós?
Que como homem tinha o controle do corpo de Eloá
e que como homem lhe era superior?
Ao perceber Eloá como sujeito autônomo,
sentiu-se traído, no que atribuía a ela como mulher
(a submissão ao seu desejo),
e no que atribuía a si como homem
(o poder sobre ela - base de sua virilidade).
Assim o feminicídio é um crime de poder,
é um crime político.
Juridicamente é um crime hediondo,
triplamente qualificado:
motivo fútil, sem condições de defesa da vítima,
premeditado.
Se antes esses crimes aconteciam nas alcovas,
nos silêncios das madrugadas,
estão agora acontecendo em espaços públicos,
shoppings, estabelecimentos comerciais,
e agora na mídia.
Para Laura Segato é necessário retirar
os crimes contra mulheres da classificação de homicídios,
nomeando-os de feminicídio
e demarcar frente aos meios de comunicação
esse universo dos crimes do patriarcado.
Esse é o caminho para os estudos
e as ações de denúncia e de enfrentamento
para as formas de violência de gênero contra as mulheres.
Muita coisa já se avançou no Brasil
na direção da garantia dos direitos humanos das mulheres
e da equidade de gênero,
como a criação das Delegacias de Apoio às Mulheres
- DEAMs,
que hoje somam 339 no país,
o surgimento de 71 casas abrigo,
além de inúmeros núcleos
e centros de apoio que prestam atendimento
e orientação às mulheres vítimas,
realizando trabalho de denúncia
e conscientização social para o combate
e prevenção dessa violência,
além de um trabalho de apoio psicológico
e resgate pessoal das vítimas.
Também ocorreram mudanças no Código Penal
como a retirada do termo "mulher honesta"
e a adoção da pena de prisão para agressores de mulheres,
em substituição às cestas básicas.
A criação da Lei 11.340, a Lei Maria da Penha,
para o enfrentamento da violência doméstica
contra as mulheres.
Mas, ainda assim as violências
e o feminicídio continuam a acontecer.
Vejamos o exemplo do Estado do Ceará:
em 2007, 116 mulheres foram vítimas de assassinato no Ceará;
em 2006, 135 casos foram registrados;
em 2005, 118 mortes
e em 2004, mais 105 casos[ii].
As mulheres estão num caminho de construção de direitos
e de autonomia,
mas a instituição do patriarcado
continua a persistir como forma de estruturação de sujeitos.
É preciso que toda a sociedade se mobilize
para desmontar os valores e as práticas
que sustentam essa dominação masculina,
transformando mentalidades,
desmontando as estruturas profundas
que persistem no imaginário social
apesar das mudanças
que já praticamos na realidade cotidiana.
O comandante da ação policial de resgate de Eloá
O comandante da ação policial de resgate de Eloá
declarou que não atirou no agressor por se tratar de
"um jovem em crise amorosa",
num reconhecimento ao seu sofrer.
E o sofrer de Eloá?
Por que não foi compreendida empaticamente
a sua angústia e sua vontade (e direito)
de ser livremente feliz?
Maria Dolores de Brito Mota - Socióloga, professora da Universidade Federal do Ceará
Maria Dolores de Brito Mota - Socióloga, professora da Universidade Federal do Ceará
Um comentário:
isso é e sempre será uma barbaridade
aa gente até se lembra te tantos outro crimes cometidos por amor
e esquece que quem ama não mata
bjos
vivi
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