segunda-feira, 22 de setembro de 2008

A primeira carta...



"Se a própria existência cotidiana lhe parecer pobre,
não a acuse.
Acuse a si mesmo,
diga consigo que não é bastante poeta para extrair as suas riquezas.
Para o criador, com efeito,
não há pobreza nem lugar mesquinho e indiferente.
Mesmo que se encontrasse numa prisão,
cujas paredes impedissem todos os ruídos do mundo
de chegar aos seus ouvidos, não lhe ficaria sempre sua infância,
esta esplêndida e régia riqueza, esse tesouro de recordações?
Volte a atenção para ela.
Procure soerguer as sensações submersas deste longínquo passado:
sua personalidade há de reforçar-se,
sua solidão há de alargar-se e transformar-se numa habitação
entre o lusco e fusco diante do qual o ruído dos outros passa longe,
sem nela penetrar.
Se depois desta volta para dentro,
deste ensimesmar-se, brotarem versos,
não mais pensará em perguntar seja a quem for se são bons.
Nem tão pouco tentará interessar as revistas
por esses seus trabalhos,

pois há de ver neles sua querida propriedade natural,
um pedaço e uma voz de sua vida.
Uma obra de arte é boa quando nasceu por necessidade.
Neste caráter de origem está o seu critério,
— o único existente."
Primeira carta
Rainer Maria Rilke
1903

2 comentários:

tek@duarte disse...

Seu espaço está 1000!!!!!! bjusss

Anônimo disse...

não tem como não amar rilke