Pergunta: Quais foram os ganhos tangíveis
e os que continuam intangíveis
na revolução virtual do trabalho e no tempo livre,
observados no XV Seminário de Ravello,
onde o senhor foi um dos organizadores ?
Domenico De Masi: Os ganhos tangíveis consistem no fato
de que se consegue produzir mais bens e serviços
com menor esforço físico e menos stress intelectual.
Os ganhos intangíveis estão na possibilidade de se usufruir,
em tempo real,
de uma rede de interlocutores, de amigos,
de colaboradores.
Pergunta: Na Widebiz, na Nova-e
e na wwwWriters, empresas virtuais,
o teletrabalho faz parte dos seus cotidianos,
onde se mistura prazer, estudo e trabalho,
mas também se sente culpa pela liberdade,
o que nos leva a trabalhar mais e, às vezes,
não sabemos se estamos trabalhando por culpa ou diversão.
aprendizado do ócio criativo passa por esta etapa
em que não percebemos que estamos
transformando o paraíso num inferno ?
Domenico De Masi: O ócio criativo é uma arte
que se aprende e se aperfeiçoa com o tempo
e com o exercício.
Existe uma alienação por excesso de trabalho pós-industrial
e de ócio criativo,
assim como existia uma alienação
por excesso de exploração pelo trabalho industrial.
É necessário aprender que o trabalho
não é tudo na vida e que existem outros grandes valores:
o estudo para produzir saber;
a diversão para produzir alegria;
o sexo para produzir prazer;
a família para produzir solidariedade, etc.
Pergunta: Hoje na Internet percebemos, por um lado,
os poderosos de sempre tentando cercear e organizar o caos,
e por outro,
os "criativos" inventando soluções que pulam estas barreiras,
como os programas Napster e o Gutnella.
A sociedade criativa sobre a qual o senhor fala
estaria nascendo aqui e como se distribuiria nela o poder ?
Domenico De Masi: Na sociedade industrial a maioria das funções de trabalho
exigia pouquíssimas aptidões profissionais.
Mesmo um macaco poderia trabalhar na linha de montagem.
Na sociedade pós-industrial
a maioria das funções de trabalho
exige notáveis aptidões intelectuais.
Disso deriva o perigo de um superpoder
as classes profissionais,
de uma ditadura dos clérigos sobre os leigos.
Pergunta: O senhor vê o teletrabalho que algumas empresas já adotam
como a forma correta de motivar,
bastando para isso estar longe da empresa
no mundo real para ser mais criativo?
O que é, na sua opinião,
um modelo de relação de trabalho ideal?
Domenico De Masi: O teletrabalho serve para economizar tempo,
dinheiro e stress.
Sozinho, não assegura nenhuma criatividade.
Uma relação de trabalho ideal permite
aos trabalhadores não apenas ganhar dinheiro,
mas também de satisfazer as necessidades de introspecção,
amizade, amor, diversão, beleza e convivência.
Pergunta: Toda a economia convencional está baseada
na forma como trabalhamos hoje.
Não haveria uma mudança drástica na economia
caso suas idéias fossem postas em prática,
ou será que seria necessário primeiro
uma mudança na economia
para criar o ambiente propício
à concretização de suas idéias?
Domenico De Masii: As mudanças estruturais
e aquelas culturais se influenciam entre si.
Eu espero que a difusão de minhas idéias
consiga criar um grupo crítico de pessoas dispostas
a mudar realmente o seu modelo de vida
e lutar para conquistar a felicidade.
Pergunta: O senhor poderia dar um exemplo de algum país
ou empresas que já estejam aplicando suas idéias,
ou parte delas, com resultados positivos
e que possamos identificar?
Domenico De Masi: Em todo o mundo começa a haver pessoas
ou grupos ou empresas ou cidades
que impõem os seus modelo de vida sobre
bases completamente novas.
No Brasil é suficiente ver o caso de Ricardo Semler
em São Paulo,
o caso de Lerner em Curitiba,
o caso de Oscar Niemeyer no Rio.
Pergunta: Muitas pessoas simpatizam com suas idéias.
Estariam elas apenas concordando com sua natureza abstrata
porque não gostariam de mudar tanto ?
Domenico De Masi: A maioria das pessoas que concorda
com as minhas idéias sente uma real necessidade de modificar
o modelo de vida imposto ao ocidente americanizado
sob o impulso do pensamento empresarial:
competitividade cruel,
stress existencial,
prevalência da esfera racional sobre a esfera emocional.
Pergunta: A natureza das empresas hoje é bem diferente
daquilo que o senhor imagina como sendo ideal.
O senhor acredita que mudanças drásticas
precisariam ser feitas em todo o sistema produtivo
para poder abraçar uma nova forma de trabalho?
Domenico De Masi: Não.
Podem começar também em empresas individuais.
Quando uma empresa inaugura um modelo organizacional
baseado em minhas idéias,
ganha muito mais
e os seus trabalhadores são muito mais felizes.
Pergunta: Como o senhor vê a contribuição da Internet
e de uma sociedade voltada para o virtual
na concretização de suas idéias ?
Domenico De Masi: A Internet é uma oportunidade maravilhosa.
Estou feliz em viver em um mundo onde existe a Internet.
Pergunta: Na relação de trabalho,
o senhor acha que o Estado deve ajudar
a direcionar para o ideal ou simplesmente
tirar sua mão do processo
e deixar que ele aconteça naturalmente ?
Domenico De Masi: No contexto humano,
nada acontece naturalmente:
tudo é fruto da inteligência,
da programação
e da vontade das pessoas.
Só o liberalismo crê que o mercado resolve
"naturalmente" todos os problemas.
Pergunta: Quanto mais a sua teoria é debatida
mais empresas surgem com conceitos duvidosos:
desenvolvem uma nova visão da escravidão
onde o chicote é um sistema interno
de comunicação terrorista que apregoa o trabalho
e a servidão como único bálsamo
para o desenvolvimento profissional.
Gostaríamos que o senhor comentasse esta questão
e dissesse quanto tempo vai demorar
para estas empresas perceberem o equívoco.
Domenico De Masi: Muitos seres humanos são masoquistas.
Depois se tornam sádicos.
Depois se tornam sadomasoquistas.
Não sei se ou quando as minhas idéias triunfarão.
O meu dever é difundi-las
e agir tenazmente para que
se firmem o mais rápido possível.
Pergunta: Quando o homem vai usar a tecnologia
favoravelmente a um estilo de vida enriquecedor?
Domenico De Masi: Ricos economicamente?
Hoje já é usada com esta finalidade.
Ricos humanamente?
Quando substituirmos uma sociedade competitiva
por uma sociedade solidária.
Pergunta: É possível humanizar o capitalismo ?
Domenico De Masi: O capitalismo é baseado no egoísmo
e na competitividade:
isto é, sobre premissas brutais,
não humanas.
Portanto é impossível humanizá-lo.
Pergunta: A nanotecnologia prevê um futuro sem fome,
doenças, velhice e trabalho.
O natural seria estar desempregado
e fertilizando uma sociedade efetivamente criativa e ociosa.
Mas como somos impulsionados pelas ambições pessoais
de TER e não de SER,
esta mudança de foco drástica não seria pura utopia,
relegando a nanotecnologia a categoria
de não compatível com a espécie humana?
Domenico De Masi: A espécie humana sempre combate a sua incansável
luta contra a morte, a dor, a miséria, o cansaço.
Um bilhão de pessoas já conseguiu vencer esta batalha
contra a dor, a miséria e o cansaço.
Resta a morte,
mesmo se vivemos o dobro de nossos bisavós.
mario persona
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